sábado, 1 de agosto de 2015

A Coreia do Norte e a noção de controlo, entrevista com Alejandro Cao de Benos


Em linhas gerais, no Ocidente pouco ou nada se sabe acerca da realidade social na Coreia do Norte. A maior parte das informações chegam-nos repletas de propaganda ou de parcialismo por parte de certos órgãos de comunicação social e, assim sendo, há uma tendência notória para a simplificação e, nalguns casos, para a banalização do que acontece nesse país asiático.

Assim sendo, ainda menos se conhecem os contornos que assume o controlo social na Coreia, pelo menos da perspectiva que têm acerca deste os seus próprios representantes. O Direito a Réplica tentou obter – e conseguiu – uma entrevista virtual exclusiva com Alejandro Cao de Benos, um cidadão de origem espanhola que é, já desde algum tempo, o representante oficial da Coreia do Norte nas suas relações com o Ocidente e delegado especial honorário da Comissão Para as Relações Culturais com Países Estrangeiros. Sugerimos que levem a cabo uma leitura meticulosa e exaustiva das suas respostas, pois estas conseguem – dada a sua singularidade e potencialidade – trazer-nos novos debates e polémicas sobre aspectos e questões que se converteram praticamente em orientações para a nossa vida quotidiana. Abaixo encontram a entrevista realizada com Alejandro Cao de Benos.

DR – No Ocidente diz-se que para se conseguir avaliar as condições democráticas de uma nação, é necessário avaliar como esta trata os seus presos. Na América Latina, e atrevo-me a dizer que em todo o mundo ocidental (embora admitindo aquelas excepções que confirmam a regra) as cadeias propriamente ditas já são por si só uma demonstração da desumanidade global. Quais são as condições das prisões na Coreia do Norte?

ACB – As prisões são normalmente cooperativas de quintas ou plantações madeireiras e mineiras em regime fechado. Os criminosos que tenham sido condenados trabalham num regime disciplinado semelhante ao de um aquartelamento militar. Têm que trabalhar obrigatoriamente 8 horas por dia e dedicar o seu tempo ao estudo e à formação até à sua reinserção na sociedade. Existem reduções de pena por bom comportamento bem como amnistias em datas predeterminadas, como o dia 1 de Agosto.

DR – O sistema penal coreano é selectivo? Ou seja, só os mais desfavorecidos e desamparados da sociedade é que vão presos? Na América Latina as prisões estão cheias de pobres, marginais, toxicodependentes, etc. Como é o panorama na Coreia?

ACB – Lá nada é selectivo. De facto não existe o sistema de fianças como há noutros países, o qual permite que os mais abonados se evadam às suas penas. O fuzilamento do General Jang Song Theak demonstra que ninguém escapa às leis da República, por mais alta que seja a sua patente militar.

DR – Já escutamos noutras entrevistas suas que a pena de prisão na Coreia inclui a obrigatoriedade dos reclusos trabalharem (alguns apodam-no de “trabalho forçado”) e que esse trabalho deve realizar-se como forma de retribuição à sociedade pelo prejuízo cansado com o delito cometido. É verdade?

ACB – Exactamente. Trata-se de trabalho forçado porque se determinada pessoa é um criminoso então deve devolver à sociedade aquilo que lhe retirou, sem receber um ordenado e sem possibilidade de sair do perímetro estipulado para tal.

DR – Assim sendo, como se leva a cabo na Coreia a “reinserção” ou “ressocialização” dos reclusos quando estes regressam ao mundo livre? São preparados para uma nova vida em sociedade? São-lhes facilitados tratamentos ou alguma outra abordagem nas prisões? Existem organismos estatais que se ocupem dos libertos para facilitar a sua reinserção na sociedade?

ACB – A reinserção é aplicada em todas as penas menores, como os pequenos furtos. Nessa situação o culpado realiza trabalhos em regime aberto e em contacto com a população, como a limpeza de parques e jardins. Nos casos mais graves a reinserção formaliza-se mediante a frequência obrigatória de cursos académicos, línguas estrangeiras, etc. O Conselho de Ministros tem um gabinete responsável por essa reinserção e, tal como sucede aos restantes cidadãos, atribui uma casa gratuita e um emprego a todos aqueles que cumpriram a sua pena.

DR – Na Coreia compreende-se que a uma infracção ou um delito, seja este de maior ou menor gravidade, corresponde sempre um castigo?

ACB – Não. Não, se não for grave a infracção pode resolver-se com o reconhecimento dessa falha por parte do autor e a promessa do mesmo, perante os seus familiares e colegas de trabalho, de que não voltará a acontecer.

DR – Em princípio assenta a necessidade social de castigar alguém? Conhece os pontos de vista ocidentais acerca do que justifica um castigo estatal. Que semelhanças e diferenças encontra em ambos os sistemas?

ACB – Como existem seres humanos que decidem prejudicar a sociedade por egoísmo, inveja, ódio, etc., tem que existir um sistema punitivo que obrigue à boa consciência do delinquente para que este evite cometer um crime por receio do castigo que lhe está associado. Eu defini-lo-ia como um porta-voz da consciência. Para manter a harmonia social e a ordem são necessárias uma série de medidas em qualquer sociedade. A diferença mais importante seria que na Coreia fazemos muito uso do sentimento de honra e moral como elemento integrador. Um delinquente na Coreia sabe que quando sair da prisão a sua honra estará manchada por muito tempo, no Ocidente, por outro lado, às vezes os delinquentes chegam a converter-se em verdadeiros heróis e até lhes cantam odes.

DR – Sabemos que negou em mais de uma ocasião a existência de campos de concentração na Coreia. Contudo, por outro lado, admitiu que existem “campos de trabalho”. Em que consistem esses campos?

ACB – Os campos de concentração referem-se no imaginário colectivo aos campos do nazismo, para os quais as pessoas eram enviadas por causa da rua raça, religião ou tendência sexual. Este termo continua a utilizar-se como propaganda imperialista para diabolizar a Coreia e manipular a população de modo a acreditar que o que existe na Coreia é algo similar. Nada está mais longe da verdade. Como tenho referido, um campo de trabalho é como uma cadeia em Espanha ou no México, com a diferença de que os presos não passam o dia a drogar-se, a preguiçar ou a subornar os funcionários. Na Coreia existe um regime militar e há que trabalhar, queira-se ou não.

DR – Quantas pessoas privadas da sua liberdade existem, aproximadamente, na Coreia?

ACB – Esses dados não se encontram disponíveis mas são poucas, tendo conta que eu próprio em 24 anos só testemunhei 4 delitos menores. Tal deve-se à enfase que se atribui à prevenção dos delitos mediante a educação e ao facto das penas serem fisicamente duras, razões pelas quais os cidadãos estão cientes de que na RDPC o crime não compensa.

DR – Existem na Coreia instalações genéricas para o internamento de doentes mentais? Quais serão, neste caso, as condições e características desses locais?

ACB – No caso dos doentes mentais existem centros adequados para o seu internamento, assistência e controlo nas 24 horas do dia. Não diferem muito de um hospital, com a excepção de que dispõem de muito mais pessoal para tratar de cada paciente e do tratamento ser mais familiar e personalizado. 

DR – Mudando de assunto, queríamos perguntar-lhe quais são as formas de assédio e coacção que a Coreia do Norte sofre por parte do imperialismo e dos seus aliados? 

ACB – São múltiplos e variados. Habitualmente há o assédio armado que começou nos anos 50 com a invasão da República por parte do imperialismo norte-americano. As manobras militares de treino e simulação para a ocupação da RDPC ocorrem a cada 3 meses nas bases existentes no Sul. Depois temos o bloqueio comercial sistemático com o intuito de asfixiar a nossa economia, outras formas importantes são as tentativas de sabotagem e terrorismo para criar instabilidade e originar grupúsculos dissidentes entre a população que eventualmente, e uma vez armados pela CIA, possam derrubar o governo popular como fizeram na Líbia, na Síria, etc.

DR – De que maneira influenciam esse tipo de coacções a Coreia e a sua população?

ACB – Obviamente que teve e tem efeitos desastrosos. A Coreia chegou a sofrer com malária e outras enfermidades que nunca existiram no passado. Tal deveu-se ao lançamento de bombas bacteriológicas por parte dos EUA. E depois temos o bloqueio económico que impede o comércio regular com o exterior, diminuindo as possibilidades de importar os medicamentos necessários bem como outros produtos de alta tecnologia do exterior.

DR – Que papel político atribuem na Coreia às grandes cadeias de comunicação social ocidentais?

ACB – As grandes cadeias de comunicação social são basicamente órgãos de propaganda do capital. São financiadas e propriedade de uma mão cheia de multimilionários que manipulam à sua vontade as notícias e conhecimento para manter em erro a população. A imparcialidade jornalística não existe e claro está que à classe privilegiada, a oligarquia, não lhe interessa que o povo se erga ou que se nacionalize a indústria e o ramo imobiliário ao abrigo de um sistema socialista.

DR – Que opinião tem a Coreia do Norte acerca dos movimentos emancipatórios, também denominados de populismos, que surgem na Améria Latina?

ACB – A RDP da Coreia tem por princípio o respeito para com as outras nações na selecção do seu próprio sistema político e de governo. O povo deve ser sempre soberano.

DR – Quais são, actualmente, os aliados estratégicos da Coreia do Norte em questões de política internacional?

ACB – Nenhuns. A RDPC sempre se valeu e continuará a valer por si mesma. Existem países mais próximos e que tradicionalmente têm sido amigáveis, mas no final todos eles velam pelos seus próprios interesses e se os EUA lhes oferecerem um caramelo envenenado rapidamente esquecerão quaisquer vínculos históricos. 

DR – Muito obrigado.

ACB – Encantado.

O original encontra-se em Derecho a Réplica
Tradução © KFA Portugal.
Foto © KCNA

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